Aeronáutica implanta laboratório para abrir e ler caixas-pretas no Brasil
Após a instalação do Laboratório de Análise e Leitura de Dados de
Gravadores de Voo (Labdata), no ano passado, foram abertas e analisadas
no Brasil 31 caixas-pretas de aeronaves ligadas a acidentes. Em 2009,
somente dois equipamentos tinham sido lidos após serem enviados para o
exterior.
Dentre as caixas-pretas lidas em 2011 no Brasil há algumas de Bolívia e Colômbia.
Antes da implantação do laboratório, a Aeronáutica mandava os gravadores
para exterior em casos estritamente necessários. Isso porque há custos
no deslocamento dos investigadores e a aeronave precisava parar de
operar enquanto os dados são obtidos. Foi isso o que ocorreu em 2007 com
o gravador do Airbus da TAM que colidiu contra um prédio no aeroporto
de Congonhas, em São Paulo, deixando 199 mortos.
“Ainda não temos a capacidade total de ler caixas-pretas danificadas
(como atingidas fogo, cabos cortados, com interferências ou que sofreram
algum dano), pois vamos adquirir em 2012 os kits para leitura mais
complexa. Já conseguimos ler alguns gravadores danificados, entre eles o
de uma aeronave boliviana e de um Learjet que caiu na Baía de Guanabara
quando faria um pouso no Aeroporto Santos Dumont, e que sofreu
oxidação", disse ao G1 o coronel Fernando Camargo, que apurou as causas
do acidente da TAM e é gerente do projeto que implantou o Labdata.
“No caso do Learjet, tivemos que abrir a caixa metálica que protege e
tirar a placa de memória, colocando-a em outro gravador do mesmo
fabricante para que pudéssemos ler”, acrescenta o oficial. Se aberta de
forma inadequada ou por pessoa não treinada, tudo pode ser perdido.
“O gravador de dados, que registra informações como velocidade, altitude
e como se comportaram os sistemas da aeronave, é hoje matéria-prima
fundamental para a entender o que ocorreu em um acidente, pois nos dá
informações precisas. Já o de voz não é tão imprescindível, usamos
apenas diálogos importantes. Às vezes, a Justiça nos pede a transcrição
dos diálogos e nem sempre os temos”, explica Camargo. Cada dado que a
caixa-preta grava é chamado de "parâmetro".
Outra caixa-preta que deu trabalho, após ser queimada externamente, foi a do acidente com um LET da companhia Noar, que caiu no Recife em julho,
deixando 16 mortos. O gravador de voz foi aberto no Brasil, já o de
dados teve de ser levado aos Estados Unidos. "Já em 2010, no caso de um
Bandeirante que sofreu um acidente grave e a caixa-preta foi danificada,
nem a fabricante conseguiu fazer a leitura e nós não tínhamos o cabo
compatível para recuperar as informações. Pela internet ele custava
muito caro, mas um amigo conseguiu comprar e nos enviar pelo correio”,
relembra.
O Cenipa é o órgão responsável por investigar acidentes aéreos no Brasil
conforme a lei federal de 1982 que criou o Sistema de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer). Segundo o chefe do Cenipa,
brigadeiro Carlos Alberto da Conceição, auditoria da Organização da
Aviação Civil Internacional (ICAO) apontou que o Cenipa atingiu em 2009
um nível de conformidade de 96% conforme os padrões internacionais,
empatado em primeiro lugar com a Agência Européia para a Segurança da
Aviacão (Easa). Não é necessária a homoloagação da Icao para o Cenipa
possuir um laboratório de caixa-preta.
Como é o processo
O avião tem duas caixas-pretas, que normalmente ficam na parte traseira
da aeronave: uma que armazena os dados do voo- dependendo da aeronave,
podem ser até mil parâmetros por até 40 horas - e outra de voz, com os
diálogos da cabine. Novos modelo, chamados de combo, unem as duas
gravações em uma só caixa.
Quando o gravador não está danificado, não é necessário ser aberto. Um
cabo é conectado e, através de sua ligação a um software compatível do
fabricante da caixa-preta, é possível recuperar um arquivo com os dados e
o áudio. O trabalho mais difícil vem em seguida: a conversão da memória
em bits em informações tangíveis sobre o que ocorreu com o avião.
“Cada tipo de caixa-preta tem uma cablagem (modelo de cabo para download
do arquivo bruto) e um software diferente para ser usado. A partir de
sua aplicação conjunta, obtemos um arquivo em código binário que
armazena os dados sobre o que ocorreu durante o voo. As pessoas não
conseguem entender o que houve com o avião apenas olhando os bits,
precisamos convertê-los nos dados reais”, diz o oficial.
Cada sequência de 12 bits é chamada de "palavra". Existem caixas-pretas
que gravam de 32 a 1.024 palavras por segundo. Para a conversão, o
investigador informa ao computador em quais bits e em quais conjuntos de
palavras o software deve buscar os registros do que precisa saber.
Para entender o que provocou a tragédia, o Cenipa precisa saber em quais palavras cada parâmetro foi gravado.
Caixas-pretas passam por análise antes da recuperação
de dados sobre o acidente
Outra análise é feita com a gravação das conversas da cabine, que passa
por uma mesa de som onde é possível melhorar a qualidade e separar os
quatro canais de áudio (piloto, copiloto, ambiente da cabine e do
engenheiro - este último quase não é mais usado).
Problemas no Brasil
Dentre preocupações recentes do Cenipa quanto ao registro de dados está
no fato de orientar companhias aéreas e pilotos para que, no caso de
incidentes graves durante o voo, a caixa-preta seja desligada. Isso
porque a gravação é contínua e, ao término do limite da memória,
recomeça, perdendo todos os dados antigos.
A determinação de desconectar a caixa-preta após algo grave é
obrigatória procedimentos expedidos pela Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac), mas nem sempre cumprida.
Também há uma avaliação sobre o destino final das caixas-pretas após a
cópia, como a possibilidade de apagar-se a memória e manter os dados
apenas sob poder do órgão que apura a tragédia.
“Há uma discussão no Grupo Internacional de Investigadores de
Gravadores, do qual fazemos parte, sobre o que fazer com as caixas após a
leitura. Normalmente, não temos porque manter em nossa posse e
devolvemos às empresas. Mas as informações podem em seguida ser
copiadas, manipuladas, e usadas para outros fins. Ainda não há um
consenso sobre esta questão”, acrescenta o coronel Camargo.
Para 2012, o Cenipa pretende adquirir para o laboratório kits que
permitirão abrir e ler caixas-pretas com problemas ou que foram
atingidas pelo fogo, água ou parcialmente destruídas e também uma
estação de solda e ferramentas eletrônicas específicas para estes
trabalhos, permitindo ao país maior independência na investigação de
acidentes aéreos.
Reportagem original pode ser vista em:globotv.globo.com
Carlos Henrique Peroni Junior
mapblog.sac@gmail.com
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